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Um espaço que agora se ocupa em dar destino à vida de um personagem.

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domingo, abril 12, 2009

As três negações de Belarmino Moretti (II)

(Um épico de aventura em três negativas)

Capítulo II – de como Belarmino tem a estranha sensação de se ter passado muito tempo entre o primeiro capítulo e esse outro aqui e de como posteriormente salvou o estranho cavaleiro de sua prisão de lodo.



E bem que parecia para Belarmino que o tempo custava a passar. Era como se, do momento em que saíram da fazenda até chegarem à estrada principal houvesse decorrido uma infinidade de tempo, algumas estações talvez, permeadas de cheias e secas. Sem dúvida era uma sensação estranha, por demais difícil de descrever. Há de se perdoar essa falta de precisão do relato: pois que podia saber esse rapaz das coisas que se passavam com o mundo, dos fenômenos das terras e do ar? Era apenas um Belarmino jovem, Moretti, é certo, mas mesmo assim apenas um rapazote ignaro, muito diferente do Belarmino velho, o seu passado avô, que esse esperto era por demais, tão esperto que até encontrara um jeito de subir às mais altas estrelas do céu e lá permanecer a vigiar a vida daqui de baixo.



Mas Belarmino, frente a todas essas manifestações dos tempos, apenas conseguia dar de ombros, não compreendendo a estranha sensação de terem partido da fazenda pelo verão e agora parecer inverno por ali. Não pensou sequer em contar as horas, isso era artifício que nem conseguiria; tempo não era uma das coisas mais exatas na época desse ocorrido. Pois contavam-se as estações que passavam, via-se mais ou menos quanto faltava para o sol descer cobrindo a vista com a mão, mas além disso, tempo pelo tempo não existia, talvez pela falta de necessidade, talvez pela falta de tempo em descobrir um meio de se contá-lo.



As rodas da carroça que conduziam o pai de Belarmino, as várias coisas de comer, os produtos de ferreiro produzidos pelos seus na forja da curva do rio do Vale dos Morettis, os panos para armar a tenda quando chegassem ao paço imperial e uma irmã de Belarmino escondida enrodilhada numa das toalhas que serviriam para estender a mesa produziam sulcos profundos na estrada úmida. Já de bem longe se notava pesada a composição, mas de peso de Belarmino que não era, pois estique o pescoço e veja ali que vai andando o rapaz ao lado da carroça, os olhos baixos, contando as diversas chicotadas que o pai dava na égua, que resfolegava e soltava um bafo quente pelas narinas e os passos das diversas gentes que encontrava pelo caminho.



Muitos eram os Morettis que se juntavam a eles antes de atingirem a saída do vale. Daqui e dali saíam das casinhas de faina de muro baixo, dos celeiros e das habitações de barro e pedra vários parentes, tios, tias, primos de primeiro, segundo e terceiro graus, amigos, empregados, conhecidos de perto de longe e já outros nem tanto conhecidos, todos eles Morettis, todos habitantes do mesmo fundo de vale, Belarmino também um deles mas só mais um no meio de tantos. Ia-se engrossando a comitiva conforme iam atingindo a estrada principal, serpenteando pelos vales encharcados.



A razão de ser dessa comitiva era um só: ir ao paço imperial para celebrar as boas colheitas junto aos seus e ver o casamento da filha do rei com um fidalgo deoutra localidade. Não que isso fosse somente a única razão que guiasse a todos eles; certamente que razões ocultas outras existiam, haveria alguns que lá estavam indo para casarem-se escondidos, outros que estavam indo para amarem-se escondidos sem necessariamente terem que se casar e outros que estavam indo para surrupiarem escondidos daqueles que estivessem casando ou se amando escondidos. Havia todos esses, outros mais e Belarmino, que para a festa estava indo sem nenhuma razão definida, a cabeça baixa, contando os passos das pessoas. Mas como razão alguma não é razão para se contar uma história, eis que nos surge a afamada da razão de Berlarmino, na forma de um cavalo desgovernado, um corcel munido de emblema de alguma cavalaria dalgum reino, que trazia em cima de si um cavaleiro com pesada armadura e que se dirigia, abrindo espaços na multidão, para o destino acertado de onde estava Berlarmino.



Achegava-se com todas as forças, o escuro e resfolegante corcel. Porém, antes que fosse esmagado pelas patas do cavalo, Belarmino foi salvo. E não foi por uma mão heróica que se estendera no último momento para tirá-lo do caminho; antes deve ter sido pela própria inépcia do cavaleiro, ou sagacidade do cavalo, é uma coisa que nunca iremos saber. Pois eis que o cavaleiro da cavalaria desconhecida envereda no último instante sobre a carroça do pai de Belarmino, tomba-a e assusta a velha égua da família que, desembesatada, sai a trotear campina afora. E Belarmino, tanto mais divertido do que de fato assustado, vai logo acudir o cavaleiro, que no resultado de todas as ações que o acidente causou, acabou de cara num charco que ladeava a estrada.



Saltando dentro d'água, Berlarmino tenta erguer o cavaleiro em sua pesada armadura de belo metal brilhante, bem diferente daquele que o pai comumente trabalhava na forja da curva do rio. Mas a ajuda logo se converte em um quase belo gesto inútil; pois o cavaleiro de tal maneira encontrava-se afogado no charco que dificilmente dali um menino como Belarmino conseguiria tirá-lo. Mesmo assim, o conjunto armadura cavaleiro menino fazia um grande rumor, agitando inesperadamente as águas paradas, na tentativa de se livrar do banhado. De dentro do pesado elmo do cavaleiro, que lhe caíra sobre o rosto com o acidente, vinham alguns suspiros afoguetados.



Após alguns instantes, vendo que a empreitada dificilmente lograria algum sucesso, Belarmino tem uma idéia melhor. Corre para a carroça, tombada no meio da estrada, com os pertences por ali espalhados e a sua irmã a choramingar assustada dentro da toalha amarrada, e procura por uma grossa corda que, quando não estava na função de servir de amarração a barraca estava na mão de seu pai para dar uma surra nele e nos seus irmãos, e a leva imediatamente ao local do acidente.



Por ali em volta alguns curiosos se ajuntavam, comentando o acidente. Sim, é certo que já naquela época os acidentes traziam naturalmente atados a si um bando de curiosos a reboque, gente que parecia estar ali previamente, por detrás dos barrancos, ou vagando pelas charnecas, somente à espera do acidente acontecer para ao local ocorrer e ficar a esmo, conjecturando sobre as causas do ocorrido, enquanto algumas crianças riem dos esforços inúteis do cavaleiro para se livrar da armadilha em que o acidente o colocara. Ignorando os comentários e abrindo espaços entre a turba murmurante, Belarmino se enfiou de novo dentro do charco, para perceber que o cavaleiro estava mais atolado que dantes, com meio corpo invisível nas moitas. Com a habilidade de selar cavalos, Belarmino passa a corda por debaixo dos braços do cavaleiro, amarrando-a bem forte nas suas costas.



Dali então salta do charco para uma velha árvore posta pelos tempos, de varde, ao lado da estrada, já velha e quase tentada a mergulhar definitivamente no lodo. Sobe rapidamente por cima de seus galhos secos, o mais alto que pode, e salta do lado oposto, esticando a corda em sua tensão máxima. Não chega a atingir o chão; antes fica ali dependurado, fazendo contra-peso ao cavaleiro que, lá do charco, começa a dar sinais de se levantar das águas. O povo que assiste começa a exclamar excitado, pois muito engenhoso é o invento do menino, passando a corda estrategicamente ao redor da árvore aqui e ali, criando um interessante jogo de roldanas naturais que, magicamente, fazem o pesado cavaleiro se erguer do outro lado.



Agora Belarmino quase toca o chão com seus pés, o cavaleiro do outro lado livre de sua prisão de charco, só que agora preso no ar, amarrado pela corda. Quando toca o chão, rapidamente, Belarmino dá a volta por sobre o tronco da árvore com o resto da corda, olhando para o cavaleiro com uma expressão satisfeita. Reação nenhuma a estranha figura exprime; antes parece que o menino Moretti acabou de salvar uma armadura que achara presa no lodo, resultado dalguma batalha do passado que, uma vez livre, agora está ali pendurada a secar, escoando água e plantas aquáticas pelas suas fendas.

1 Comments:

Blogger lucas gandin said...

mudei meu endereço, anota e atualiza aí:

http://pslucasg.blogspot.com/

1:08 AM  

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